Campeã aos 18 anos em Montreal: "Mboko é o novo rosto do Canadá, multicultural e vencedor"
- Raphael Favilla

- 7 de ago.
- 5 min de leitura
O título de Victoria Mboko no WTA 1000 de Montreal em 2025 não foi apenas uma conquista esportiva, mas um fenômeno cultural e emocional para o tênis canadense. A campanha histórica da jovem de 18 anos, convidada para disputar a chave principal do torneio pela primeira vez, foi coroada com festa da torcida canadense. Em uma final eletrizante, Mboko superou a japonesa Naomi Osaka, ex-número 1 do mundo, com parciais de 2/6, 6/4 e 6/1 em 2h04 de partida, diante de um IGA Stadium lotado e em êxtase.

Mboko é apenas a terceira tenista canadense a conquistar o principal torneio do país na Era Aberta, juntando-se a Faye Urban (1969) e Bianca Andreescu (2019). Também se tornou a vencedora mais jovem do torneio desde 2015, quando Belinda Bencic levantou o troféu aos 18 anos. O feito ganha ainda mais brilho pelo caminho: durante a campanha, Mboko venceu quatro campeãs de Grand Slam: Sofia Kenin, Coco Gauff, Elena Rybakina e Naomi Osaka, algo inédito para uma canadense em torneios WTA.
“Eu só pensava: ‘Não vou desistir aqui, não na minha casa, não diante desse público’. Senti a energia de cada pessoa na arquibancada me empurrando”, declarou, ainda na quadra, com o troféu nas mãos.
A repercussão no Canadá foi avassaladora. O primeiro-ministro Justin Trudeau parabenizou Mboko nas redes sociais, e portais como o Globe and Mail e o Toronto Star estamparam sua imagem na capa. “Mboko é o novo rosto do Canadá, multicultural e vencedor”, tuitou a jornalista Shireen Ahmed.
O caminho até a glória
A trajetória de Mboko até o topo foi marcada por resiliência e superação. Nascida nos Estados Unidos, onde a família se estabeleceu após deixar para trás a turbulência política na República Democrática do Congo, Victoria cresceu em Toronto, inspirada pelos irmãos mais velhos, todos ligados ao tênis. Seu talento chamou a atenção da Tennis Canada, que a convidou para treinar em um dos principais centros do país e defender a bandeira canadense no circuito. “Minha família sempre acreditou em mim, mesmo quando eu mesma duvidava”, disse ela, emocionada, na entrevista pós-jogo, enquanto a multidão gritava “Allez, Vicky!” e agitava cartazes com seu rosto.
Em 2024, ela enfrentou lesões no joelho que quase a tiraram do circuito, passando meses se recuperando na academia de Justine Henin, na Bélgica. “No ano passado, terminei a temporada perdendo mais do que ganhando. Eu só pensava: ‘Ano novo, nova eu’. Decidi jogar como sempre acreditei que podia: agressiva, indo para cima, sem medo”, contou à imprensa, relembrando o período difícil e a importância do apoio familiar. Seu pai, Cyprien, engenheiro mecânico aposentado, e sua mãe, Godée, contadora, fizeram de tudo para que Victoria e os irmãos pudessem perseguir seus sonhos no Canadá, mesmo após anos de separação por questões de visto.
Top 25
O ano de 2025 foi de ascensão meteórica. Mboko começou a temporada apenas no 333º lugar do ranking, venceu cinco torneios menores no circuito ITF e, com a conquista em Montreal, ergue seu primeiro troféu WTA. Quando o ranking for atualizado, já estará entre as 25 melhores do mundo. Em Montreal, jogando apenas sua sétima chave principal em torneios desse porte, ela derrubou quatro campeãs de Grand Slam, algo inédito para uma canadense na Era Aberta.
Durante a campanha, Mboko também se tornou a primeira canadense a derrotar três campeãs de Slam em um mesmo torneio WTA, e a primeira a vencer o torneio em Montreal na Era Aberta. Ela também foi a primeira wild card a chegar à final do torneio desde Simona Halep em 2015, e a primeira a vencer desde Andreescu em 2019.
A semifinal contra Elena Rybakina foi um divisor de águas. Mboko caiu no início do terceiro set, machucando o punho direito, mas pediu apenas para enfaixar e seguiu em quadra. O público percebeu o drama e, a cada ponto, aplaudia de pé. “Eu nunca senti uma energia assim. Era como se cada pessoa ali estivesse jogando comigo”, contou Mboko na coletiva.
Grande decisão
A final contra Osaka foi um espetáculo de superação. O primeiro set foi controlado pela japonesa, que abriu vantagem cedo e saiu vencendo por 3/0. Osaka não enfrentou break-points e voltou a quebrar no fim da parcial, aproveitando as quatro duplas faltas e 22 erros não-forçados de Mboko.
Apesar da desvantagem, a canadense reagiu no início do segundo set e conseguiu uma quebra, mas a parcial foi marcada por cinco quebras consecutivas. Só então, Mboko voltou a manter o saque e fez 4/2, depois abriu 5/2. Sacando para o set, cometeu duplas faltas e viu Osaka diminuir a diferença, mas a vantagem construída possibilitou uma nova chance que ela não deixou escapar.
No terceiro set, Mboko soube aproveitar o ambiente favorável da torcida, enquanto Osaka estava visivelmente instável emocionalmente, apressava o jogo e se perdia em erros não-forçados. A canadense, de estilo agressivo e muita potência nos golpes, arriscou até curtinhas para conseguir uma das quebras no set decisivo. Ela quebrou quatro vezes o serviço de Osaka no terceiro set para consolidar a virada e fazer a festa em casa.
A análise técnica da campanha impressiona. Mboko mostrou uma evolução tática notável: variou o saque, usou slices e drop shots para tirar o ritmo das adversárias e, principalmente, manteve a agressividade mesmo sob pressão. Contra Gauff, por exemplo, ela venceu 80% dos pontos com o primeiro saque e cometeu apenas 13 erros não forçados, números de veterana. “Ela me lembrou muito a Serena no início da carreira, pela coragem de arriscar nos momentos grandes”, analisou Nathalie Tauziat, sua treinadora, ao canal oficial da WTA.
"É só o começo"
O impacto nos bastidores foi imediato. Bianca Andreescu, campeã do US Open e mentora de Mboko, fez questão de elogiar a compatriota. “Disse para ela: ‘Você mudou o tênis canadense de novo. Agora é sua vez de inspirar a próxima geração’”, revelou Andreescu à imprensa.
A família Mboko também foi destaque. O irmão Kevin, treinador em Toronto, contou: “Desde pequena, ela dizia que ia ganhar tudo. A gente tentava acalmar, mas ela sempre foi assim, determinada. Hoje, só tenho orgulho.” Gracia, a irmã mais velha, lembrou de um torneio local em que Victoria, com 9 anos, enfrentou adultas e saiu da quadra chorando, inconformada com a derrota. “Ela sempre teve essa fome. Não aceita menos do que o melhor”, disse.
Mboko, por sua vez, manteve os pés no chão. “Quero continuar crescendo, aprendendo. Sei que ainda tenho muito a evoluir, mas hoje vou aproveitar cada segundo. Ganhar em casa, diante da minha família, dos meus amigos, do meu povo… não existe sensação melhor. Obrigada, Montreal. Esse título é nosso!”, declarou, encerrando a coletiva com um sorriso tímido, mas confiante.
No fim, o título de Victoria Mboko foi mais do que uma vitória esportiva: foi a consagração de uma trajetória de luta, diversidade e esperança. E, como disse sua treinadora Tauziat, “isso é só o começo”.
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