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Saúde mental no tênis e a lição de Federico Gómez e Novak Djokovic

No universo do esporte de alta performance, a imagem que prevalece é a de força inabalável, resiliência heroica e superação constante. Atletas são frequentemente vistos como máquinas de desempenho, imunes às pressões que esmagariam pessoas comuns. No entanto, por trás dos troféus, dos recordes e dos aplausos, existe uma realidade complexa e, por vezes, brutal: a da saúde mental. Longe dos holofotes, a solidão do circuito, a cobrança incessante por resultados, as lesões e a efemeridade da carreira podem levar muitos a um abismo silencioso.


Por muito tempo, falar de saúde mental no esporte de alto rendimento era quase um tabu. O imaginário celebrava o corpo resistente, o foco frio, a vitória a qualquer custo. Mas a realidade, entre viagens solitárias, pressões financeiras e cobranças incessantes por resultados, mostrou-se bem mais dura: crises de ansiedade, depressão e o vazio emocional acompanharam muitos atletas.


Mas essa narrativa está mudando. Cada vez mais, vozes corajosas se levantam para desmistificar o tabu, revelando que a vulnerabilidade é parte intrínseca da condição humana, mesmo para os maiores campeões. E, nesse cenário, o apoio, seja de um colega, de um mentor ou de uma rede de suporte, emerge como um pilar fundamental, capaz de transformar crises em caminhos de recuperação e, por vezes, em vitórias ainda mais significativas do que as conquistadas em quadra.


Nos últimos anos, algumas das maiores estrelas do tênis ajudaram a trazer o tema à superfície: Naomi Osaka, que abandonou Roland Garros em 2021 ao admitir sofrer de depressão; Ashleigh Barty, que deixou o circuito como número 1 em 2022 para cuidar de si; Mardy Fish, que em 2012 desistiu de jogar no US Open por ataques de pânico; Nick Kyrgios, que expôs lutas contra automutilação e pensamentos suicidas.


Em 2025, esse debate ganhou um novo símbolo: o argentino Federico Agustín Gómez, 28 anos, que transformou um desabafo de dor em narrativa coletiva de acolhimento.


Esta reportagem relembra um desses momentos decisivos, onde a fragilidade de um jovem tenista encontrou a empatia de uma lenda, reescrevendo não apenas uma história individual, mas reforçando a urgência de um debate global sobre saúde mental no esporte.


Federico Gómez foi convidado por Djokovic para um treino em Miami depois de confessar publicamente suas lutas mentais
Federico Gómez foi convidado por Djokovic para um treino em Miami depois de confessar publicamente suas lutas mentais

Capítulo 1 – A confissão pública

Em 2 de março de 2025, um post no Instagram passou despercebido para muitos, mas não para quem conhece a vida difícil de um atleta fora do topo do ranking.


O argentino Federico Agustín Gómez, então com 28 anos, 144º do mundo, estava sufocado por pensamentos suicidas, se sentindo fracassado e abandonado. Em uma publicação corajosa e dolorosa, ele desabafou: "Difícil escrever sem chorar, mas é preciso. Penso em abandonar o tênis. Penso até em não estar mais aqui."


Gómez surpreendeu ao revelar que vinha convivendo com pensamentos suicidas, ausência de alegria e um desequilíbrio que tornava incerto o seu futuro no tênis. "Era difícil escrever sem chorar, mas senti que expor era a única forma de aliviar o peso que carregava", contou depois.


Esse tipo de desabafo não é comum em um circuito que exalta resistência e resiliência. Mas foi exatamente essa honestidade brutal que fez sua mensagem ecoar.


A publicação foi um choque. Muitos colegas o procuraram. Entre milhares de reações, uma mensagem veio carregada de peso emocional. A de Novak Djokovic, lenda viva do esporte.


"Força, amigo. Sempre há luz no fim do túnel", escreveu o sérvio.


Capítulo 2 – O gesto silencioso

Gestos na internet, sabemos, podem ser apenas retórica. Só que Djokovic decidiu ir além. A mensagem poderia ter ficado no campo das redes, mas não ficou. Nas semanas seguintes, o sérvio convidou o argentino para treinar com ele durante o Miami Open.


Nada de holofotes, nada de espetáculo. Apenas treino, conversa, presença. A mesma cena se repetiria em Paris, às vésperas de Roland Garros.


"Djokovic realmente se interessou por mim. Ele é sempre atencioso, pergunta como estou, como estou lidando com tudo. Isso me deixa feliz e grato a ele e à sua equipe, que também me ofereceram apoio", relatou Gómez. "Foi talvez o maior presente que recebi", contou em entrevista ao portal CLAY Tenis.


Do outro lado, Djokovic foi transparente: "Também já estive em lugares escuros. Sei como é. Comunicar não é fraqueza, é força".


Capítulo 3 – O apoio do circuito

Naquele momento, Gómez descobriu que não era um caso único. "Não estava sozinho. Nos torneios, muitos jogadores vieram até mim, ofereceram apoio. Muitos compartilharam experiências próprias, dizendo que já tinham passado por isso. Somos competidores em quadra, mas também somos pessoas. Fiquei feliz de ter o apoio de tanta gente no circuito", disse sorridente em Paris à reportagem da CLAY.


Essa rede humana mostrava que o tênis podia, sim, criar espaço para vulnerabilidade.


Capítulo 4 – O sonho realizado

Justamente em Paris, em maio, Gómez viveu o ápice até então da carreira. Confirmado na chave principal como lucky loser após cair no qualifying, enfrentou o norte-americano Aleksandar Kovacevic, top 80. Perdeu o primeiro set, mas reagiu e venceu por 4-6, 6-4, 6-4, 6-1.


Foi sua primeira vitória em Grand Slam.


Na coletiva, emocionado, deixou o resultado em segundo plano: "Sejam transparentes. Vocês não estão sozinhos. Um treino não cura, mas aproxima. Um gesto não resolve, mas sustenta. Ajuda existe. Para quem pede, e para quem oferece também."


E ecoou as palavras que havia recebido de Djokovic meses antes, agora com novo significado: "Sempre há luz no fim do túnel."


Capítulo 5 – Djokovic: o mito humanizado

Djokovic tem 24 Grand Slams, 428 semanas como número 1, recordes inigualáveis. Mas a força do episódio foi justamente revelar sua dimensão humana. Questionado em entrevista exclusiva ao diário argentino La Nación, disse: "Senti compaixão. Muitos enxergam saúde mental como fraqueza. Para mim não é. Falar disso exige coragem. Ser vulnerável é também ser forte."


Na relação com Gómez, Djokovic deixou de ser o mito inalcançável para assumir o papel de colega, mentor, ser humano. No tênis, esporte individualista por excelência, isso vale muito mais do que estatísticas.


Capítulo 6 – A jornada de Federico: do abismo à quadra, e a luta que continua

Desde Paris, a trajetória esportiva do argentino tem sido de altos e baixos, mas sempre marcada pela resiliência. Embora tenha alcançado seu melhor ranking em fevereiro de 2025 (nº 133 do mundo), sua posição oscilou, situando-se próximo ao top 200 em agosto.


Em Wimbledon, parou na segunda rodada do qualifying. No US Open, jogou sua primeira chave principal em Nova York, mas foi eliminado na estreia. No entanto, em torneios Challenger, especialmente nas duplas, manteve um bom desempenho, conquistando o título em Modena com Luis David Martínez, na Itália, em junho.


Apesar das flutuações, o ano de 2025 se consolidou como o mais importante da carreira: não apenas pelos resultados, mas porque elevou Federico à condição de porta-voz involuntário da saúde mental no esporte. Sua história continua a inspirar, mostrando que a luta contra as pressões internas e externas é constante, mas que o apoio e a coragem de compartilhar as dificuldades são ferramentas poderosas para seguir em frente, dentro e fora das quadras. Hoje, ele próprio admite: "Estar aqui, ainda jogando tênis, já é vitória."





Capítulo 7 – Não é caso isolado

Gómez não é exceção. O tênis vem colecionando histórias de sofrimento psíquico:


Naomi Osaka (2021): saiu de Roland Garros ao anunciar que não daria entrevistas por sofrer ansiedade. Depois revelou episódios de depressão e se afastou do circuito. Retornou como voz ativa na luta contra o estigma: "É preciso lembrar: atletas também são humanos."


Mardy Fish (2012): desistiu do US Open por ataques de pânico. Anos depois, tornou-se símbolo de transparência sobre ansiedade e crise de performance.


Ashleigh Barty (2022): então nº 1 do mundo, deixou o circuito abruptamente para cuidar da saúde mental e buscar propósito fora do tênis, priorizando o bem-estar.


Nick Kyrgios (2019): revelou lutas contra depressão e automutilação. Anos mais tarde admitiu: "Não queria mais estar vivo. A terapia e as pessoas próximas me salvaram."


O denominador comum? Todos decidiram romper o silêncio. Esses relatos expõem falhas estruturais do circuito e reforçam que o tema exige atenção urgente.


Capítulo 8 – Ciência e suporte

Estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS) destacam que o apoio social é um dos maiores fatores protetores contra suicídio e agravamento de transtornos.


Pessoas com suporte familiar/amigos têm probabilidade até 60% menor de desenvolver quadros graves.


Entre atletas, isolamento e pressão constante aumentam em 40% o risco de crises emocionais.


Ou seja: Djokovic não precisava oferecer uma solução. Bastava não ignorar. E isso mudou o curso da história. Ele deu o que a ciência já comprova ser um fator de proteção decisivo: suporte.


Epílogo – Muito além do Tênis

Em 2025, Federico Gómez conseguiu sua primeira vitória num Grand Slam. Mas conseguiu algo maior: estar vivo, poder sorrir e seguir lutando.


"Fiquei muito feliz. Não sabia como reagir no início, mas a primeira sensação foi alegria, especialmente depois de um dia duro, perdendo no qualifying. Estar aqui é motivo de orgulho."


Djokovic resumiu em Paris, após a estreia dos dois no mesmo torneio: "Estou muito feliz por ele. É uma pessoa boa. Lutando, lutando, sempre lutando."


Essa história não é apenas sobre tênis ou superação individual. É sobre suporte – alguém em crise, e outro que decidiu não ignorar.




2 comentários

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Leandro Lee
01 de set.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Texto emocionante é importantíssimo. De fato, há lugares sombrios, recantos escuros, sinuosos e tortuosos na mente. Mas há, também, pessoas que podem ajudar não só a apontar a luz, mas serem, elas próprias, luminosamente compassivas. Observe, ajude, converse! Obrigado pela matéria!

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Nittenis - Gustavo Werneck
02 de set.
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Obrigado a você pela atenção e ao feedback de belas e também emocionantes palavras, Leandro!

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